Mand's POV

Eis o melhor e o pior de mim.

Só não se perca ao entrar

No meu infinito particular

Fronk

04 de junho

Ruim é quando você morde a maça do amor esperando uma crocância suculenta e ela está fronk.

Isso deveria ter sido um tweet

Adolescência

03 de junho

No último domingo, a Giselle perguntou para outros amigos meus como eu era na adolescência, e a Helena respondeu que eu era mais estranha. A pergunta me deixou muito curiosa sobre como eu me descreveria, e a resposta também me deixou reflexiva sobre como eu entendo as continuidades e as diferenças desses momentos. Acho que me descrever é uma tarefa meio impossível e eu não consigo levar ela muito a sério, mas vou deixar aqui o fluxo de ideias que me ocorre quando eu tento falar de quem era a Amanda adolescente.

Eu era muito preocupada com quem eu era e com quem eu queria ser. Eu passava muito tempo pensando no meu corpo: como conseguir um tanquinho, como conseguir mais peito, como valorizar minha bunda... Como me vestir, como ser atraente. Eu não pensava muito sobre como ser inteligente, porque eu simplesmente tinha como garantido que eu era uma pessoa inteligente que sempre estaria cercada de pessoas inteligentes e que juntos a gente poderia entender os grandes problemas do mundo e se tornar muito admirados e respeitados. Mas eu passava bastante tempo "usufrindo" dessa inteligência (estudando, e lendo, e tendo conversas prepotentes intermináveis com os meus amigos) e eu tinha muita empolgação para ver as coisas grandes e incríveis que a gente com certeza ia fazer.

Apesar de gostar muito de me achar inteligente e de adorar ter grandes discussões com quem também tinha essas pretensões, eu entrei no Santa determinada a mudar minha personalidade. Eu ia falar menos, eu ia ser mais social, eu ia me dar bem com todo mundo... Eu tinha muita certeza que ser vista só como inteligente me atrapalhava, e que eu precisava fazer um esforço para desenvolver outras partes, menos "naturais" e intuitivas para mim mas muito mais valorizadas pelos outros. Infelizmente para a Amanda de 15 anos, e felizmente para todo o resto, aconteceu o contrário: eu conheci pessoas que gostavam de mim como eu era.

E eu era, sim, bem estranha. Acho que eu era bem intensa, e meio desconexa. Eu era muito entusiasmada com tudo que eu gostava: eu amava muito intensamente cada livro, cada série, cada matéria da escola que me interessava... tudo era incrível e muito importante, mas também passava rápido quando eu avançava para a próxima coisa. Eu falava sem pensar, e às vezes saiam coisas engraçadas, mas às vezes saiam coisas rudes, e frequentemente eu só percebia o que eu tinha falado depois de outra pessoa reagir. Eu só entendia muita coisa depois já ter feito: para alguém que gostava tanto de pensar, quando o assunto era minha própria vida eu tinha um estilo mais "fazer primeiro, pensar depois". Talvez uma descrição melhor seja "pensar antes, durante e depois, e ainda assim fazer o que surgir como impulso no momento". Eu lembro até hoje de algumas cagadas, que vinham de eu assumir que eu sabia o que eu estava fazendo e acabar maagoando muito feio alguns amigos. Eu lembro de falar muito rápido algo que eu não tinha elaborado e realmente ser mal compreendida. Eu também lembro de ganhar muitas coisas e viver muitos bons momentos quando eu segui meus bons impulsos, mesmo que meus pensamentos sugerissem muito mais moderação e modéstica. Eu aprendi que tem quem acolha minha impulsividade, mas eu também aprendi que era importante escolher minhas palavras e meus momentos.

Eu descobri que apesar de eu ser dramática e ansiosa e muito crítica e um pouco excessiva tinha pessoas que me amavam muito, e que eu podia amar muito. Eu me apaixonei pela primeira vez várias vezes. Eu me apaixonei pelo circo. Eu me apaixonei por química, e por dezenas de livros diferentes, e por alguns personagens fictícios. Eu me apaixonei pela Helena, e pela família da Helena, e pelo sítio da Helena. Essa foi a primeira família que eu gostei. Eu quebrei meu coração pela primeira vez quando a Marina se afastou do nosso trio, e eu parti o coração de alguem pela primeira vez quando me esqueci da Sofia. Eu me apaixonei pelo Miguel. Eu descobri filmes da Marvel e jogos de tabuleiro e shots de vodka. O lado bom de não conhecer o mundo é que você pode triplicar o tamanho da sua vida quando você finalmente se permite experimentar ele.

Eu fui criando confiança de que não era tão ruim ser eu mesma, e ao mesmo tempo de que eu podia tentar ser quem eu queria ser: eu comecei a aula de dança, eu experimentei ler ficção "de adulto", eu fui buscar terapia sexual. Eu experimentei comidas novas e fiquei um pouco menos fresca. Eu viajei sozinha pela primeira vez e percebi que as vezes minha vida pode parecer um pouco um filme. Apesar de não ter conseguido muitos resultados na época, eu comecei a pesquisar como me vestir e me maquiar e cuidar da minha aparência.

Eu gosto muito mais de quem eu sou hoje do que eu gostava de mim naquela época, mas eu só sou quem eu sou porque aquela versão de mim tinha muito potencial, energia e vontade de viver a vida. E porque eu encontrei muitas pessoas gostaram de mim, mesmo sendo diferentes de mim, e que aumentaram minha curiosidade de viver o mundo. Pessoas que tinham outros interesses e valores e que me acolherem no meu auto-centramento e preocupação comigo mesma, mas que também foram interessantes o suficiente para me fazer prestar atenção no mundo, nas pessoas ao meu redor, e me fizeram aprender e crescer com isso.

Não tenho certeza do porquê eu quis fazer essa grande associação livre sobre como eu me sentia sendo adolescente. Acho que eu ando tentando fazer um balanço de se foi uma época boa ou ruim, e como eu me sinto sobre esse tempo que passou. Era um pouco ruim, me sentir uma "pré-pessoa", alguém que precisava ficar se construindo para um dia poder ser alguém. Apesar de ser angustiante, também era muito engraçado a incoerência e a espontaneidade e a crueza de tudo que eu tentava ser. E era um pouco eufórico a alternância entre o auto-deprezo (tudo que eu ainda ia ter que ser) e a auto-confiança (a sensação de que no futuro tudo ia dar certo). Acho que eu nunca tive tanta confiança quanto eu tive no ensino médio (e, paradoxalmente, tanta insegurança). Eu tinha a certeza de que eu era muito boa em muitas coisas, e de que eu seria capaz de grandes coisas. Eu me desesperava com a sensação de que eu ainda tinha muito pouco, de que eu ainda era muito pouco, mas eu também me empolgava com a ideia de que meu potencial era imenso, e de que era só colocar cuidado e esforço que os resultados iam vir. Eu acreditava muito no potencial do meu esforço, e isso me ajudava a ser feliz: tudo que eu ainda não tinha agora, eu poderia ter mais tarde. E, por agora, muitas coisas pelas quais eu tinha ansiado já estavam começando a ser, muitas provas estavam sendo testadas e me dando uma noção apropriada da minha capacidade.

Para ser sincera, eu era feliz e sabia. Eu sabia que tardes de sol com meus amigos eram um tesouro. Eu sabia que gostar da escola e ir bem nela era uma sorte e um privilégio, e que isso tornava meu dia a dia muito mais gostoso do que o de outros pessoas. Foi uma sorte e uma conquista me apaixonar, amar e namorar com tanta liberdade, e com alguém que se abriu tanto para viver isso quanto eu. Foi muito bom ter pais tão carinhosos, mas também liberais o suficiente para eu poder fazer quase tudo que eu queria. Eu encontrei algumas das pessoas mais especiais da minha vida, que eu fiz questão de tentar manter do meu lado. Eu não esqueci que eu sofri, e eu sei que eu investi muito tempo e energia em tornar outra pessoa, alguém mais parecido com a versão "adulta" que eu sou hoje, mas eu também amei e aproveitei as partes boas que eu tinha para curtir. E, nesse sentido, a Amanda adolescente foi uma das melhores versões de mim, porque ela viveu plenamente o momento dela. Ela tinha o que ela precisava, ou ela sabia ser feliz com o que ela tinha. Eu não voltaria atrás nunca, porque ela se esforçou muito para eu ser quem eu era hoje, mas eu sou muito grata a ela por toda a empolgação que ela tinha pela vida. Talvez eu deveria me re-encontrar algumas coisas. O senso de oportunidade. A confiança em si e no mundo. O prazer de estar onde está, mesmo que também queria ser outra pessoa que está em outro lugar. A curiosidade e o deslumbramento por aprender, por conhecer sobre o mundo, por conhecer pessoas por inteiro. Essas eram qualidades muito boas.

Acho que ficar solteira e sozinha sente um pouco como um retorno desse momento adolescente de pensar sobre mim e sobre quem eu devia ser. E continha sendo essencial tropeçar para fora de mim mesma pela força de atração das pessoas ao meu redor, continua essencial a vontade de olhar mais e conhecer mais delas e fazer elas ficarem bem. Mesmo eu tendo planos para mim, meu melhor continua sendo a combinação de seguir os impulsos que eu nem sabia que eu tinha, e me deixar levar pelo que o mundo está me oferecendo a cada momento. Saber quem eu quero ser, mas ter a abertura de ser espontânea. De ser esquisita. Sonhar com o futuro, mas amar o presente. É em parte por essas razões que a Amanda adolescente importa agora.

Eu fui feliz, mas eu não voltaria a ser adolescente. Passou, e foi bom enquanto durou. E quem eu sou agora é o resultado do esforço do passado. É estranho saber que eu deveria ter esse "orgulho" de mim por ter me tornado parecida com o meu projeto de mim mesma, mas eu também sinto a dor da perda do potencial da adolescente. Eu não sinto mais que eu sou nada, mas eu também não sinto que eu sou só potencial a ganhar. Eu tenho já algumas perdas para contabilizar. Habilidades que eu perdi. Potenciais que eu não realizei. Eu me tornei uma pessoa mais inteira, mais coesa, menos caótica. E também menos impulsiva, menos espontâneamente sintonizada comigo e com os outros. Já não é mais a potencialidade "infinita" da contradição de ser muitas coisas (e nada) ao mesmo tempo. Ainda assim, é o momento de pensar um pouco no potencial, e deixar fluir sem pensar tanto. Quer dizer, apesar de eu pensar tanto.

Amanda no país das Alices

03 de junho

Queria deixar registrado algumas das percepções mais memoráveis de usar cogumelo.

Acho que o primeiro sinal da brisa batendo foi as cores estarem muito lindas, com o céu azul, o verde na folha das árvores, a forma das nuvens... nessa vibe teve um momento que eu fiquei muito fixada em olhar minha mão, porque eu estava usando um anel de pedra azul com esmalte vermelho e isso parecia a coisa mais linda do mundo. Só que de tanto olhar minha mão eu comecei a notar demais a textura da pele e dos nervos e o formato meio quadrado dos meus ossos e fui obrigada a reconhecer que realmente se trata de uma pata decorada. Acho que esse foi o mais perto que eu cheguei de uma bad, mas eu tava muito eufórica e passou rápido.

Eu assisti muitas coisas legais acontecendo. A minha grama passou de verde e marrom (viva e morta) para verde e vermelho, tipo a folha verde com uma pontinha vermelha, e nisso eu vi a grama desenhando muitos padrões e meio abrindo e fechando. Em vários momentos veio na minha cabeça a comparação entre as minhas flores dançantes na grama e das flores vivas do Lewis Caroll. Foi muito engraçado perceber que ele é um Grande Homem porque o legado e a memória dele estão para sempre garantidos sempre que alguém tiver uma viagem psicodélica. E eu nem sei se ele usou cogumelo!

A segunda parte da brisa foi que eu me sentia muito dentro de um livro. Mais especificamente, eu vivia de forma muito intensa as coincidências e as comparações entre o que eu estava vivendo e cenas de livros que eu já li, e eu meio lembrava/revivia cada livro e meio ficava assistindo o momento presente pelo filtro de como a cena atual tinha vibes de livros. Acho que essa é a parte mais difícil de explicar, mas muitas vibes de livros fizeram sentido para mim durante essa brisa: a coisa da Alice ter um "mundo secreto" mágico que os adultos não vêem veio muito na minha cabeça, porque eu sabia que estava lá as visões bonitas estavam lá se eu olhasse mas eu também sabia que elas não iam ser confirmadas se eu tentasse contar para alguém, e acho que isso é um tema muito frequente em livros de crianças: sentir que você e os animais compartilham um segredo sobre a camada mágica secreta do mundo e que você só pode apreciar ela para você mesmo, ao mesmo tempo solitária e acompanhada desse mundo paralelo. Eu tive muito isso olhando a Nina também: sentir que ela era um ser muito inteligente e especial e que Sabia Coisas sobre o quintal e sobre como viver a vida e que eu tenho o privilégio de poder compartilhar a existência cotidiana com ela.

Essa mesma vibe de maravilhamento, e de admiração, e de sentir que eu estou compartilhando de um mundo rico e complexo e secreto estava muito forte quando eu olhava para a Helena e a Giselle. Eu tinha noção muito clara de que eu estava assistindo elas viverem um momento próprio, com o próprio mundo interno, e que eu poder acompanhar essa experiência, e sentir que eu conhecia em parte aquele mundo por já ter tido muito tempo antes com elas, sentia como um privilégio muito grande. Que incrível observar e poder conhecer a superfície do que é o mundo da Helena, e da Giselle, e da Nina. Essa vibe ficou muito mediada pela lembrança/revivência dos livros da Lygia Fagundes Telles: eu sinto neles a narradora é também admirada/apaixonada pelas personagens que ela descreve, porque essas mulheres sempre aparecem numa riqueza de complexidade, numa beleza estrondosa e sutil, nos dramas mais sórdidos e mais elevados, e eu via essa "grandeza" nas minhas amigas, eu via que uma narradora competente tornaria elas personagens tão enigmáticas e atraentes e interessantes quando as personagens da Lygia.

Acho que isso é o que mais ficou para mim de um experiência, mesmo depois de sóbria: o privilégio que é poder conhecer alguém pela observação. O valor do vínculo que se constrói com estar perto, sem estar necessariamente junto. Isso te dá a oportunidade de conhecer alguém não só pela conversa, pelo que alguém te conta, mas pela observação dessa pessoa no próprio universo dela. Saber como ela funciona em vários momentos, não só quando ela está intencionamente se abrindo com você. Isso é um pouco estranho vindo de uma psicanalista mas, para formar amizades, o olhar tem um papel muito grande que o ouvir não compensa. Estar lá é diferente de ouvir sobre, e ver os momentos que não podem ser contados, porque são muito íntimos, ou muito banais, é um jeito de aprender sobre a pessoa "por osmose". Acho que compreender o outro naquilo que ele tem de diferente de mim, naquilo que é dele e mais singular ou até oposto a mim, é mais fácil para mim pela contemplação do que ouvindo a pessoa se explicar. E tem tantas coisas que as pessoas mostram, mas não explicam. Eu realmnete me lembrei da importância de olhar e prestar atenção, e de ter tempo para isso. Não sei explicar. Foi muito foda ver elas pintando, ouvindo música, viajando. Teve uma "cena" muito linda quando eu fui ficar perto da Helena na grama, depois de ficar observando ela, e depois de um tempo conversando com a Lena ela voltou a olhar as formigas, e eu fiquei olhando a Giselle olhando para mim e para a Helena, e ela estava muito linda pintando, e tinha uma conexão de poder estar perto e olhar sem conversar, de estar sozinha, em dupla e em trio tudo ao mesmo tempo. Foi uma sensação de muito amor e de amizade duradoura, de sentir que tem tempo para estar juntas e tempo para estar separadas. Que elas estão no meu mundo interno e eu no delas. Enfim. Incrível ter amizades e queria ter mais tempo olhando para elas e conhecendo elas pelos detalhes. As minhas amigas são tao belas e complexas e inteligentes e sofridas e apaixonadas e apaixonantes quanto as da Lygia Telles. Que foda poder sentir que eu conheço uma parte do universo literário que é a vida delas.

A última coisa que eu pensei sobre a viagem de cogumelo é que ela me mostrou muito como eu funciono, e que isso também pode ser muito interessante, mesmo quando eu estou tentando ser diferente de como eu sou. Eu queria usar o cogumelo para experimentar uma coisa mais sensorial, mais conectada com o meu corpo e com o presente, e sair desse modo de experiência constantemente pensado e refletido e "mental" que eu vivo normalmente. Só que o cogumelo não fez isso, ele não me abriu uma coisa nova, ele me permitiu viver a sensorialidade que eu já tenho de um jeito muito pleno e mágico. Eu não fiquei muito atenta ao meu corpo e eu não fiquei no presente, mas eu atravessava passado, presente e futuro, realidade e liteatura, reflexão e sensação de um jeito muito integrado, foi uma forma de pensamento muito intensa, muito rápida, muito potente e muito "eu". Foi uma conexão entre as minhas experiências acumuladas e a minha capacidade de estar aqui agora. Essa mesma familiaridade surpreendente aconteceu com os cinco sentidos: eu fiquei muito pouco ligada no tato, a verdade é que eu achei a textura da grama meio ruim. Eu cheguei a ficar um tempo com um pé descalço e um pé com bota, porque uma parte de mim queria se entregar para as sensações e uma parte de mim estava meio contra a sensação da grama fria e afiada. Mas eu fiquei muito visual, e muito apaixonada pelo ato de observar, que de uma certa forma se misturou com o ato de ler. E aconteceu algo que acontecia quando eu era criança e estava lendo, que era desligar completamente a audição, e nem perceber se tem algum som no ambiente a minha volta. Algumas vezes do nada eu percebia que tinha música tocando, e cada vez foi incrível porque eu reparava que a música estava excelente. Enfim, acho que o jeito como visão, audição e tato se organizaram não foi nada inovador, mas foi um "ápice" mais mágico e estético das formas de sentir que já são meu forte.

Essas são as coisas importantes que eu consegui pensar por enquanto, talvez depois eu volte e adicione coisas e mude a data do post. Mas certamente o prazer de observar, e de perceber a magia e a grandeza e a "literatura" no mundo que eu vivo foi muito importante.

Challengers

01 de maio

Eu fiquei muito impactada com Challengers, e queria registrar todas as minhas brisas em um lugar centralizado

Primeiro, o contexto de ver o filme: eu vi de Challengers com o Miguel e nós dois ficamos muito animados com ele na época, então essa estreia foi um vazio significativo do "fim de uma era" de me conectar com ele a partir do cinema. Saber disso não diminiu minha vontade de ver o filme, mas tornou um pouco complicado escolher com quem ver. No final eu acabei percebendo que não era tanto sobre o Miguel, mas me deu muita saudades e muita vontade de fazer o programa de cinema em casal. É algo que eu gosto, e não é só com ele que eu tenho lembranças especiais de ir em dupla no cinema, mas me pegou não ter mais a opção do contato físico e desse outro lado da experiência. Enfim, eu tava meio incerta sobre com quem eu queria ver, isso engatou a minha dificuldade recente de planejar coisas, e eu acabei indo ver de última hora, sozinha e comprando o ingresso 20 minutos antes da sessão começar. E o universo recompensou meu risco, porque eu peguei o último lugar do cinema e era uma posição ótima! Só que a pessoa que comprou a cadeira do meu lado não apareceu, e eu acabei ficando com uma daquelas poltronas de casal só para mim. Foi bem gostoso, mas também um pouco desnecessariamente simbólico de que eu estava curtindo sozinha um programa que eu prefiro e (costumo?) fazer a dois.

Agora, falando do filme: eu estou apaixonada pela edição e direção, o jeito como o tênis se alterna com vida real nas cenas e nas falas é hipnotizante. Se a montagem do último ponto do último jogo fosse uma droga, essa seria minha droga favorita. Eu queria a sensação de juntar detalhes significativos que vão se tornando larger than life até a plena realização. A Zendaya é a mulher mais poderosa do mundo, ela comanda absolutamente todas as cenas, e o Mike Faist e Josh O'Connor sincronizados mexeu com a minha neuroquímica.

Agora falando da minha experiência pessoal com o filme, eu fiquei muito surpresa com a minha posição no triângulo amoroso. Preferir o loiro golden retriever "fire" ao moreno complicado "ice" foi certamente inédito, especialmente considerando a dicotomia que os triângulo cria entre o homem que te ama e o homem que te deseja. Acho que eu ainda não consegui desenvolver isso direito, mas a cena de não conforto entre a Tashi e o Art é muito trágica. Eu tenho absoluta convincção de que o que o Art pede dela nessa cena não é nada mais do que amor: "você me ama mesmo se eu não vencer?", "você pode me confortar e me dizer que você se importa comigo?", e é muito complicado que a Tashi não consegue, porque ela precisa dele querendo sempre mais, sempre correndo atrás, sempre lutando para conseguir manter ela e a atenção dela. Ela não quer ele, ela quer a melhor versão dele. Obviamente o filme radicaliza isso em todos os personagens, mas eu consigo empatizar com o dilema da Tashi: se eu disser que eu amo ele, se eu confortar ele, ele vai se tornar uma versão menos atraente (para não dizer pior, menos realizada) dele mesmo. Eu nunca tive a "coragem" dela de ameaçar sair, mas eu já tive o ressentimento de sentir que a falta de esforço é uma consequência do meu amor ser muito "garantido".

E a demanda rejeitada por conforto é ainda mais trágica quando ela vem para substituir o sexo. O Art é o cara que ama ela, que venera ela, mas ela mesma diz no refeitório: "Quem disse que eu quero alguém apaixonado por mim?". Apesar dela sentir muita raiva, ela fica com o Patrick quando ele diz que o que ela "realmente é" é uma gostosa: mais do que amada, ela quer ser desejada. E eu entendo muito - num nível profundamente emocional e zero racionalizável - como o lugar de ser a mulher amada pode sentir desvalorizado em relação ao lugar da mulher desejada.

Isso é especialmente complicado quando a dinâmica homem desejante-objeto de desejo e homem apaixonado-mulher reconfortante se sobrepõe com "homem buscando ser seu melhor" e "homem pedindo para você esperar menos dele". O filme me lembrou de um sentimento de muita raiva com a sensação de alguém que quer ser amado para poder parar de se esforçar, parar de crescer, parar de ser a versão da pessoa que poderia atrair alguém em primeiro lugar. A ideia de que o amor é um lugar de "repouso", onde você pode só ser qualquer coisa ("n'importe quoi" em francês significa bobagem) me deixa muito frustrada. Eu não sei como as pessoas de fora me percebem, mas eu me sinto como alguém que precisa ser amada para ter coragem de tentar coisas novas e crescer. O amor é o ponto de partida, não o ponto de chegada. Parar de investir em si mesmo quando outra pessoa te ama parece um certo insulto para esse amor.

Apesar desse meu ranço todo, a surpresa é justamente que eu torço pelo Art do começo ao fim (e eu não acho que é só porque o ator é um gostoso). Apesar do Patrick oferecer o desejo, que costuma ser muito mais atraente para mim do que os homens fictícios que oferecem amor e estabilidade, eu me vi torcendo pelo outro. Eu acho que a relação com o Patrick é mais simples: ele quer ela, ele vai dar para ela o que ela quer, mas ele já se considera bom o suficiente para ter ela e ele não quer nem saber de fazer esforço de melhorar. Se o Art chega no limite dele em um ponto e acaba pedindo um conforto e uma garantia (e broxando a Tashi), o Patrick nunca nem tentou. A frustração com o Patrick é mais rápida, o conflito aparece logo de cara e ela sai da relação. Com o Art, é mais complicado: ela fica com ele, ele fica com ela, mas a raiva e o ressentimento vão se acumulando dos dois lados.

O fato de que desejo e amor não andam em proporção direta me surpreende toda vez. Se você ama, por que você deixaria de querer conquistar o outro como um objeto de desejo? E se você quer como um objeto de desejo, como você não começa a amar junto? (essa eu respondo mais facilmente). Inclusive, esse é um verso de Bejeweled que é tão verdadeiro quanto enigmático para mim: familiarity breeds contempt, so don't put me in the basement, when I want the penthouse of yourhouse. Como que o amor pode tirar o brilho que um desconhecido enxerga? E eu me recuso a aceitar a explicação que de perto ninguem é perfeito, porque eu não sei engolir a ideia de que desejo depende completamennte de idealização.

Esse é um tema que me interessa muito, e ele ultrapassa muito a minha experiência pessoal. Essa foi outra experiência muito gostosa do filme: praticamente não me identificar a nível da história, ressoar emocionalmente com algumas cenas, mas no final sair refletindo muito mais sobre minhas preferências e relações com os personagens fictícios do que com pesoas reais. Eu já me importei muito com personagens, eu já enchi a boca para falar do que eu quero com base em ficção. Honestamente, eu sinto como um autoconhecimento tão válido quanto experiências "reais". E entrando nessa reflexão sobre amor, desejo e arte, o fato de que os triângulos amorosos frequentemente dividem desejo e amor, paixão e estabilidade, não me parece uma expressão simples da "realidade" do funcionamento humano. Me intriga muito que a fantasia (pensando aqui em fanfics, infanto-juvenil, etc) raramente oferece um cara perfeito que ama e deseja ao mesmo tempo, e acaba precisando dividir em dois. Se a própria fantasia contém insatisfação, o que isso diz sobre o desejo? Pensando nisso, eu acho que Challengers é muito apaixonante porque ele deixa claro que é complicado para todos os lados. Eu até dei uma esquematizada aqui, mas o filme é complexo, e eu acho que torncer pelo Art tem haver com ele integrar mais partes da complexidade: às vezes ele deseja e corre atrás, às vezes ele fica mais acomodado, às vezes ele é submisso mas esforçado... Eu fico me perguntando quais são as soluções que os relacionamentos encontram para isso na vida real, e qual é o real problema, dado que o que a fantasia e a ficação oferecem é mais um problema sexy do que uma solução.

Não sei se saiu alguma coisa interessante desse rant sobre o filme, mas eu queria muito Entender mais. E se alguém souber interpretar a música de rave que toca em várias cenas, favor me contar imediatamente.

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Circe

25 de abril

Eu estou formulando aqui uma ideia que é obviamente muito incerta e talvez não dure mais do que o tempo de escrever esse post, mas ela tem o potencial de ser algo importante

Eu sinto que parte da razão pela qual é tão difícil abrir mão de uma relação afetiva com o Miguel é que eu não tenho nenhuma ideia de quem eu posso ser sozinha. Não é que eu não me conheça: eu sei quais são meus gostos, eu consigo passar tempo sozinha, eu tenho uma vida própria que não depende dele... Mas ser "alguém especial" para outra pessoa oferece um alinhamento gravitacional para a sua vida: no final do dia, o que importa? Importa cuidar dessa relação, importa ser atraente para essa pessoa, importa chegar em casa e se dissolver num abraço quentinho.

Sempre que eu reflito sobre a importância de ser uma namorada eu me questiono como que isso pode ser verdade se eu gosto tanto dos meus amigos. É uma pergunta importante, porque de fato minhas amizades têm o mesmo potencial de me fazer feliz do que o namoro, e o mesmo potencial de me machucar se elas acabarem. Mas as amizades tem menos "lastro": é um amor sem promessas. É esperado que os amigos se afastem e se aproximem conforme os outros interesses da vida deles permitirem. É esperado que você possa contar com seus amigos para tudo, mas não há qualquer hora. Talvez isso não seja uma verdade radical e as amizades também poderiam ser investidas dessa forma, mas no final do dia eu não acho que você se torna uma unidade funcional com os seus amigos. Você sempre precisa lidar com a possibilidade de fazer planos sozinho. Você sempre precisa lidar com a possibilidade de que talvez nenhum amigo queira te acompanhar nos seus sonhos, e você precise ir naquele show sozinho, naquela viagem sozinho. Talvez isso também não seja uma verdade radical sobre casais, mas quando eu era um casal a relação se tornava uma unidade funcional: os sonhos de um se tornavam metas para o outro, era implícito que a outra pessoa estaria lá onde você quisesse ir, quando você precisasse dela, porque vocês iam dando cada passo do dia a dia considerando um ao outro. Tanto que eu não assumiria o fim imediato de uma amizade com a mudança para outro país, mas meu relacionamento acabou quando os nossos passos não podiam mais andar lado a lado.

Tudo isso para dizer que se eu tiver que ser a unidade funcional da minha vida sozinha, eu não sei que história eu quero viver. Eu não quero ser uma metade em busca de formar um casal de novo. Eu sei que existem pessoas que não conseguem se imaginar solteiros, mas eu não consigo me imaginar namorando se não fosse o Miguel. Antes dele, o rascunho de pessoa que eu era aos 15 anos não queria namorar ninguém, ele meio que "hackeou" o meu programa. E, agora, eu não consigo nem ser a pessoa que "sempre quis estar sozinha" e nem a pessoa que "não gosta de estar sozinha". Eu só consigo me imaginar sendo alguém que exibe essa marca de ter sido escolhida e depois ter sido deixada. Eu não consigo - eu não sei se eu quero - me imaginar como alguém que simplesmente está sozinha, que está bem sozinha. Eu também não quero ser alguém que está mal sozinha, para sempre deprimida e me lamentando. Mas eu também não quero ser alguém que está procurando outro alguém. O que eu quero então? Eu estou adicionando frases para procastinar escrever isso porque eu sinto que não existe um jeito de me expressar sem soar maluca, mas eu quero estar sozinha de um jeito específico que expresse o fato de que eu tive alguém antes de eu estar a sós. Meu jeito de estar sozinha precisa ser marcado por essa dupla condição: não estou sozinha por escolha - por que fui deixada para trás - mas estou sozinha por escolha - por que escolhi seguir em frente sem outro alguém. Será que isso é muito ridículo?

Cada parágrafo dessa ideia fica mais ousado do que o anterior, mas a imagem que eu tenho de uma mulher nessa dupla condição é a Circe. De muitas formas, eu sempre achei a ideia da Circe muito aspiracional: ser linda, poderosa, inteligente, perigosa e viver em uma ilha paradísiaca cercada de amigas e animais? Count me in. Mas, ao mesmo tempo, é impossível olhar para essa grande construção de feiticeira e não ver que ela se tornou assim porque algo aconteceu com ela. Ela criou uma vida muito foda, e ela me parece bem, mas ela está reagindo a alguma coisa. Eu nem sei o que é essa coisa mitologicamente, mas a gente sabe que ela tem muita raiva, a gente sabe que ela se defende, e a gente pode imaginar que a ilha encantada dela não foi exatamente um plano A.

A palavra que me preocupa nesse modelo da Circe é defendida. Por mais que a ilha dela seja muito legal e ela seja muito foda, a ideia de que ela mantém tudo isso para se defender de alguma coisa, quando aplicada à vida real, soa mais como alguém que não conseguiu seguir em frente do que alguém que encontrou uma felicidade autêntica em outro modo de viver. Será que eu estou sendo desnecessariamente crítica? Acho que a preocupação é com os graus de diferença entre "Circe" e "career-woman fria e sem vida pessoal".

Sinceramente, mesmo que tenham falhas na fachada de "sucesso" da Circe, talvez essa seja a única versão que eu consigo tentar. Por que se eu for ficar muito aberta para novos visitantes, eu tenho medo de me tornar uma Calipso: linda, poderosa, inteligente e infeliz, esperando alguém chegar para a ilha dela fazer sentido.

Existe uma terceira versão da história, em que a Ariadne é resgatada do abandono dela por alguém que pode fazer dela uma deusa. Mas essa não parece uma alternativa submissa? O que será que ela fez antes disso? Será que até o Dionísio chegar, ela foi uma Circe ou uma Calipso?

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24 de abril

Toda vez que eu machuco a almofada do meu dedo eu fico me perguntando se eu danifiquei minha digital para sempre.

Logicamente, eu acho que isso não é possível porque o crime muito fácil se fosse verdade, mas a ideia de que pode acontecer acidentalmente é interessante.

"Ela nunca mais foi a mesma depois desse dia" (uma queimadura no dedo deixou ela irreconhecível para a Polícia Federal)

24 de abril

Citando game changer no mestrado

A habilidade de pensar

23 de abril

Um fenômeno muito estranho que eu comecei a perceber conforme o colegial e a faculdade foram ficando para trás é a sensação de que eu fui esquecendo como pensar, e tem sido muito interessante fazer um esforço de re-aprender nas últimas semanas.

Eu sei que isso pode parecer um pouco estranho vindo de alguém que está fazendo um mestrado, mas eu tenho a impressão de que quando eu era mais nova eu pensava muito, e sobre tudo, e atualmente eu penso só "sob demanda", e é bastante cansativo. Em parte, eu acho que o meu mundo me exigia muito mais pensamento quando eu estava na escola: questões de prova e listas de exercícios colocavam problemas que só o pensamento lógico/dedutivo/reflexivo podia resolver, e esse tipo de situação vai se tornando muito menos frequente na vida adulta. Não só o raciocínio lógico resolve menos problemas cotidianos, mas eu também não me coloco a mesma quantidade de perguntas sobre o mundo como a educação básica faz. Eu acho que isso contextualiza o que eu quero dizer com "não pensar", porque eu não estou falando de "head empty no thoughts" no sentido de que a minha mente fica tocando música de elevador, mas sim de não parar para pensar nos pensamentos me ocorrem, eles passam brevemente pela minha cabeça e eu não paro para desenvolver eles. É muito mais fácil para mim hoje pular de estímulo em estímulo sem ficar muito curiosa sobre os temas que eles levantam, e quando eu era mais nova era mais "automático" seguir uma linha de pensamento até o fim.

Um exemplo didático é a minha relação com leitura. Quando eu estou lendo um texto, eu muitas vezes faço isso passivamente, só "consumindo" a linha de raciocínio do autor. Isso é uma leitura menos engajada do que ela era poucos anos atrás, quando eu fiz a Iniciação Científica. Nessa pesquisa, eu criava muitas perguntas e comentários para diferentes trechos do meu fichamento, tanto perguntadas relacionadas ao tema da pesquisa quanto perguntas de compreensão do texto mesmo. E ir deixando de fazer isso gera um efeito muito curioso, que é eu ficar muito orgulhosa quando eu crio uma pergunta!

Apesar de parecer uma coisa meio pessimista eu descrever essa "degradação", o ponto desse post na verdade é compartilhar que eu ainda sou bem sucedida em pensar quando eu tento! Quando eu fui no congresso com a Bruna, eu comentei com ela que eu não tinha entendido o relatório inteiro, e eu fiquei muito surpresa quando ela me disse que tava chateada que leu o texto com pouco tempo, e não teve tempo de pensar nas partes que ela não tinha entendido. Vocês podem imaginar que a minha surpresa veio porque nem tinha me ocorrido que eu poderia responder sozinha as minhas questões sobre o texto se eu investisse o tempo de refletir.

No caso do Congresso de fato me faltavam algumas informações, mas ao longo da palestra eu consegui refinar minha pergunta de "não entendi" para "eu não entendo porque você conclui x a partir de y, para mim y levaria a z", e foi muito legal!! Eu tenho feito isso um pouco mais com as minhas leituras, e no curso de formação eu comecei a tentar responder questões na minha cabeça ao invés de fazer elas para o professor (o que também me ajuda a ser menos palestrinha!).

Isso também tem uma aplicação importante nos atendimentos, eu venho percebendo que pensar na sessão é uma habilidade muito fundamental que eu estava deixando passar: pode ficar um pouco raso formular perguntas na minha cabeça e ou dizer imediatamente para o paciente ou esquecer, e conseguir investigar uma hipótese ao mesmo tempo que eu escuto é bem cansativo mas muito mais interessante... Enfim, um textão enorme para dizer que apesar de algumas coisas não serem tão fáceis hoje em dia como quando eu era mais nova, I've still got it!

Queria compartilhar essa brisa porque eu acho que essa experiência pode não ser só minha, e eu acho que o meu círculo social pode ter um efeito muito grande sobre isso com base eu observar outras pessoas pensando ou não (aka: sair do twitter vence novamente)

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Domingos

21 de abril

Acho que esse é o primeiro domingo da minha vida adulta que eu não conversei com o Miguel. Eu reparo no domingo porque hoje seria um dia de realmente conversar, sabe? Ir a restaurante, comer juntos, bater papo. Fazer uma ligação, ouvir da semana um do outro. É difícil explicar porque algumas coisas fazem falta, ainda mais porque eu tenho outras pessoas que eu amo na minha vida, e se eu quiser eu posso contar do meu dia, das minhas séries, dos meus pensamentos para pessoas que eu acredito que querem me ouvir. Mas por alguma razão eu não quero se não for com ele.

Inclusive, acho que é por isso que eu não quero criar novos grupos. Por alguma razão, eu tenho muita aversão a tudo que me parece "substituir", repor o vazio que ele deixou com outra coisa. Eu ando colecionando os vazios, eu acho que juntos eles desenham alguma coisa que é significativa. Mas eu sinto muito, porque isso cria outras faltas, tipo a de compartilhar em grupo que eu adorei o episódio da Ally de game changer

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Neko