Doing it with a broken heart
30 de abril
Eu tenho muita dificuldade de me reconhecer nos meus próprios atos às vezes. Especialmente quando eu não estou bem, muitas vezes eu não entendo qual é a parte de mim que continua funcionando independentemente de como eu me sinto. Quem é ela? Quando acabei de passar as últimas três horas alternando entre chorar e dormir, quem é a pessoa que levanta e começa a guardar as roupas no armário? O que ela quer?
Eu não acho que ela é maldosa, no sentido de um pensamento crítico de que "é bagunça demais" ou "já acabou seu tempo para ficar mal". Eu sinto que ela é autêntica, como se uma parte de mim simplesmente visse que as roupas estão fora do lugar e não entendesse porque eu não poderia resolver isso enquanto eu choro. Honestamente, eu também não sei explicar para ela porque é estranho. O que sobre estar mal deveria me impedir de manter meu quarto organizado? Mas ao mesmo tempo, quem se importa com a organização do meu quarto? A parte de mim que estava chorando certamente não se importa, inclusive ela que criou a bagunça. Por que, ao mesmo tempo que eu sinto que o meu mundo está derretendo, eu ainda genuinamente me importo com as pequenas (e grandes) tarefas do dia a dia?
Eu tenho uma mistura de hipóteses. Em parte, eu acho que eu estou escondendo os rastros aonde eu posso. Eu não sei quando na minha vida isso começou a acontecer, mas o meu primeiro instinto é esconder que eu estou mal. É melhor ninguém ver a bagunça do lado de fora, para ninguém perguntar sobre a bagunça do lado de dentro. E eu não entendo de onde vem isso, porque ao mesmo tempo que eu "me escondo" eu sinto uma necessidade muito grande de contar o que eu sinto, compartilhar o que eu penso, etc. Mas dizer é fácil, e mostrar é difícil. Eu quase morri chegando atrasada numa festa, imagina chegando desarrumada? Isso acontece também com coisas que eu nem deveria conseguir controlar: nas últimas semanas eu me surpreendi várias vezes chegando no espelho para me arrumar depois de chorar (para meus pacientes não verem que eu chorei no carro até o consultório, por exemplo) e percebendo que não tem nada para esconder. Não tem inchaço, não tem vermelho, nem o rímel está borrado. Muitas vezes eu me olho vivendo minha vida normalmente e eu me pergunto como que eu vim parar aqui? Se assim que eu chego em casa eu começo a chorar descontroladamente, quem estava rindo no bar uma hora atrás? Quem mandou as mensagems, quem escolheu a roupa, quem saiu de casa? Uma outra metade simplesmente assume o comando, e para ela tudo é fácil, ela não está fingindo, ela não está fazendo pelos outros. Ela está fazendo por ela. Mas o que ela quer?
A segunda parte da teoria é que ela é a parte de mim que não consegue parar de tentar fazer tudo ficar bem. Ela simplesmente não desiste da ideia de que ela pode consertas as coisas, e ela vai consertar o que estiver ao alcance dela, nem que seja algumas roupas jogadas pelo chão do quarto. Ela não vai deixar mais coisas ainda serem prejudicadas, só porque parte das coisas acabaram mal. E é nesse sentido que eu acho que ela é desonesta. Por que a gente não pode parar? Por que as coisas não podem simplesmente dar errado e refletir a sensação interna de que tudo está errado? Por que ela tem que ser "prevenida" e "razoável" e continuar se mexendo para evitar perder coisas que talvez devessem ser perdidas? Em parte, a resposta é que eu também não consigo explicar porque essas coisas deveriam ser perdidas. Se eu estou triste porque eu sinto falta do meu namoro, porque isso deveria se transformar em sentir falta das minhas amizades e das coisas que eu não vivi ficando em casa? Por que uma dor tem que se multiplicar em outras?
Eu acho que a resposta deveria ser que a gente não tem opção. Supostamente (Freud, 1914), o luto é um trabalho intenso que ocupa a nossa atenção por um período. E, de muitos jeitos, isso é verdade. Mas eu também sinto que eu coloquei meu luto em uma "aba", e às vezes a música me faz ir para outra aba e me comportar como se o luto não existisse.
Acho que o que eu estou tentando refletir aqui é o quanto viver essa divisão é ao mesmo tempo muito insatisfatório e o melhor dos dois mundos. De um lado, eu não consigo viver plenamente o meu luto, eu não consigo ficar visivelmente e radicalmente mal porque eu fico pausando para viver a "programação normal". Mas o ganho é que eu não perco as coisas que iriam ficar negligenciadas se eu não cuidar delas. Depois que o luto passar, será que eu ia querer lidar com as pontas abandonadas? Talvez a Amanda do futuro não mereça lidar com os efeitos da Amanda triste, e a Amanda funcional seja boa para isso. Do outro lado, eu também não estou vivendo plenamente esses momentos da vida normal. Apesar de eles serem ótimos enquanto eles duram, eles escoam rápido da minha mente depois que eles passam, e eu me sinto injusta com a minha vida ao pensar coisas como "hoje foi um dia difícil" ou "essa semana foi péssima" quando eu fiz várias coisas legais e encontrei várias pessoas queridas. Só que eu simplesmente não consegui atribuir a mesma importância emocional para elas do que para os momentos doloridos. Eu fico me sentindo um pouco ingrata, porque querendo ou não eu ainda tenho uma vida ótima e eu não sei se uma coisa ter dado errado me dá o direito de agir como se tudo fosse horrível. Enfim, o melhor dos dois mundos é estar fazendo os dois na quantidade que eu aguento de cada, e torcendo para tudo sentir mais autêntico e natural quando essa fase virar uma memória.